Ciganologia: por Cristina Garcia

Não  sou  especialista  em  pesquisar  a  cultura  cigana,  mas  a  prática  da  convivência testemunha minhas colocações.

Nas  diversas  oportunidades  que  tive  de  estar  com  os  ciganos  percebi  o  quanto  eles desconhecem  o  sentido  empregado  por  nós  para  a  palavra  liberdade.  Isso  porque  a vivenciam por completo. Da mesma  forma, não disputam  formas  legítimas ou  ilegítimas de dominação; apenas recusam qualquer forma de dominação.

Assim,  a  imagem  de  um  povo  sem  normas,  sem  critérios  próprios  de  relacionamento, assume um novo sentido: não se trata de um povo que não sabe como ter regras, e sim de um povo que optou não  as ter porque escolheu a liberdade.

E essa  recusa à dominação bem como o descaso pelo poder está bem perto do projeto de Deus. Esta proximidade é  vivida por eles na  forma de  vida onde não visam o  lucro, mas  vida  plena,  no  trabalho  em  comum,  na  proposta  de  um modelo  de  sociedade  que diverge do nosso modelo padrão.

Esse  estado  de  prontidão  para  caminhar  leva  os  ciganos  a  uma  busca  de  plenitude, causada  pela  carência material  e  pelo  conflito  social  que  os  impede  de  sustentar  seu modo de ser, sua cultura.

Quando  questionamos  seu  estilo  de  vida,  censurando  suas  atividades,  estamos interferindo em sua cultura. Os ciganos não trabalham para a acumulação de bens, mas para  festejar  a  vida.  Na  comunidade  cigana,  sem  acumulação,  se  vive  a  divina abundância do tempo livre que para nós, não-ciganos, configura como momentos de ócio e preguiça.

Tive  a  oportunidade  de  ver  na  entrada  do  campo  de  concentração  de  Dachau,  na Alemanha, a seguinte inscrição: “o trabalho liberta”. Esse pensamento também foi motivo de  grande  perseguição  aos  ciganos  na  época  do  nazismo,  e  permanece  até  hoje  em nossa sociedade sedentária que não entende a reivindicação deles, com justa causa, pelo direito à preguiça.  Isso  porque,  no  mundo  cigano  não  existe  uma  distinção  entre  tempo  e  espaço,  entre tempo livre e trabalho, entre terreno perfeito ou imperfeito, entre o terrestre e o celeste. É um mundo sem fronteiras, sem propriedades. Como o Reino de Deus pode estar no meio de nós, assim também a terra perfeita para os ciganos pode ser a terra onde tudo é bom, onde todos se cumprimentam com alegria e os permite viver em estado de gratuidade.

Essa gratuidade aqui entendida por reciprocidade leva os ciganos a considerarem pobre aquele que não a pratica e pecador aquele que não quer praticá-la porque produz para acumular e, com isso, impede o seu protagonismo. Isso nos  leva a romper com algumas linguagens  e,  em  contrapartida,  exige  informação,  análise  da  realidade,  fundamentação ética e propostas de ação que a nossa sociedade desconhece.

A  verdadeira  alternativa  contra  a  exclusão  não  é  a  inclusão,  mas  a  participação  e  o protagonismo dos excluídos na  reorganização da  sociedade. Os ciganos, na gratuidade de  seus  projetos  de  vida  guardam  os  anseios  de  um  novo mundo,  libertam  a  terra  do domínio  do  proprietário  e  o  planeta  de  sociedades  centradas  na  acumulação  e  no consumo.

Em sua eterna itinerância, os ciganos convidam a humanidade a abandonar o delírio dos desejos, sair da prisão das necessidades e da competição do mercado  total. Enfim, nos fazem novamente sonhar o prazer da liberdade e assumir nossa responsabilidade com o outro. Seus projetos são leituras do mundo e projetos de vida. Finalmente, os ciganos nos fazem pensar a essência da vida como dom na contemplação do crepúsculo na beira de uma estrada, na busca pela liberdade.

CRISTINA GARCIA

2 comentários em “Ciganologia: por Cristina Garcia”

  1. Maria Jane Soares

    O povo cigano é mesmo assim. Sua maior dádiva é amar ao nosso senhor Jesus Cristo! Amar a vida e festejar a saúde e o alimento. Respeitar a vida, a família, aos amigos e amigas. Respeitar e ter ética pela vida e lida do outro, do nosso próximo e sermos fiéis ao nosso povo, família ao nosso sangue, e não renucia-los!
    Nossa família nosso tudo, se não os reconhecer-los como sermos alguém dignos? Como amar o outro se não amamos os nossos?
    Sermos nós mesmos e respeitar-mos todos a nosso redor.
    Legado cigano

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