Não sou especialista em pesquisar a cultura cigana, mas a prática da convivência testemunha minhas colocações.
Nas diversas oportunidades que tive de estar com os ciganos percebi o quanto eles desconhecem o sentido empregado por nós para a palavra liberdade. Isso porque a vivenciam por completo. Da mesma forma, não disputam formas legítimas ou ilegítimas de dominação; apenas recusam qualquer forma de dominação.
Assim, a imagem de um povo sem normas, sem critérios próprios de relacionamento, assume um novo sentido: não se trata de um povo que não sabe como ter regras, e sim de um povo que optou não as ter porque escolheu a liberdade.
E essa recusa à dominação bem como o descaso pelo poder está bem perto do projeto de Deus. Esta proximidade é vivida por eles na forma de vida onde não visam o lucro, mas vida plena, no trabalho em comum, na proposta de um modelo de sociedade que diverge do nosso modelo padrão.
Esse estado de prontidão para caminhar leva os ciganos a uma busca de plenitude, causada pela carência material e pelo conflito social que os impede de sustentar seu modo de ser, sua cultura.
Quando questionamos seu estilo de vida, censurando suas atividades, estamos interferindo em sua cultura. Os ciganos não trabalham para a acumulação de bens, mas para festejar a vida. Na comunidade cigana, sem acumulação, se vive a divina abundância do tempo livre que para nós, não-ciganos, configura como momentos de ócio e preguiça.
Tive a oportunidade de ver na entrada do campo de concentração de Dachau, na Alemanha, a seguinte inscrição: “o trabalho liberta”. Esse pensamento também foi motivo de grande perseguição aos ciganos na época do nazismo, e permanece até hoje em nossa sociedade sedentária que não entende a reivindicação deles, com justa causa, pelo direito à preguiça. Isso porque, no mundo cigano não existe uma distinção entre tempo e espaço, entre tempo livre e trabalho, entre terreno perfeito ou imperfeito, entre o terrestre e o celeste. É um mundo sem fronteiras, sem propriedades. Como o Reino de Deus pode estar no meio de nós, assim também a terra perfeita para os ciganos pode ser a terra onde tudo é bom, onde todos se cumprimentam com alegria e os permite viver em estado de gratuidade.
Essa gratuidade aqui entendida por reciprocidade leva os ciganos a considerarem pobre aquele que não a pratica e pecador aquele que não quer praticá-la porque produz para acumular e, com isso, impede o seu protagonismo. Isso nos leva a romper com algumas linguagens e, em contrapartida, exige informação, análise da realidade, fundamentação ética e propostas de ação que a nossa sociedade desconhece.
A verdadeira alternativa contra a exclusão não é a inclusão, mas a participação e o protagonismo dos excluídos na reorganização da sociedade. Os ciganos, na gratuidade de seus projetos de vida guardam os anseios de um novo mundo, libertam a terra do domínio do proprietário e o planeta de sociedades centradas na acumulação e no consumo.
Em sua eterna itinerância, os ciganos convidam a humanidade a abandonar o delírio dos desejos, sair da prisão das necessidades e da competição do mercado total. Enfim, nos fazem novamente sonhar o prazer da liberdade e assumir nossa responsabilidade com o outro. Seus projetos são leituras do mundo e projetos de vida. Finalmente, os ciganos nos fazem pensar a essência da vida como dom na contemplação do crepúsculo na beira de uma estrada, na busca pela liberdade.
CRISTINA GARCIA
Formidável o texto. Parabéns Cristina! Você conseguiu colocar de forma precisa e coerente o povo cigano.
O povo cigano é mesmo assim. Sua maior dádiva é amar ao nosso senhor Jesus Cristo! Amar a vida e festejar a saúde e o alimento. Respeitar a vida, a família, aos amigos e amigas. Respeitar e ter ética pela vida e lida do outro, do nosso próximo e sermos fiéis ao nosso povo, família ao nosso sangue, e não renucia-los!
Nossa família nosso tudo, se não os reconhecer-los como sermos alguém dignos? Como amar o outro se não amamos os nossos?
Sermos nós mesmos e respeitar-mos todos a nosso redor.
Legado cigano