Cada grupo cigano tem suas regras, suas leis. Sempre há um chefe, que é muito respeitado, que é consultado para tudo, que sabe de tudo. As crianças e os anciãos são muito valorizados. As crianças maiores ajudam a cuidar das menores. Todo o grupo se preocupa com o crescimento e a educação de cada criança. O grupo vibra com cada novo nascimento. Os nômades vivem a partilha. As famílias são muito unidas.
O relacionamento com as sociedades sedentárias pode-se dizer que é um tanto “delicado”. Os ciganos, os circenses e os parquistas têm contato com as sociedades estabelecidas, mas é possível afirmar que desenvolve-se um relacionamento puramente formal, isto é, existe a necessidade de criar intercâmbios para facilitar o comércio, para que as pessoas assistam aos espetáculos, comprem o tacho e o tapete, brinquem no carrossel, comprem a pipoca…
Fora isso, o mundo dos nômades é um outro mundo, praticamente isolado, diferente, quase misterioso, que tem governo próprio, regras bem definidas e, neste sentido, quanto menos contato com o mundo “exterior”, melhor. Talvez por causa dessa autonomia e desse “descompromisso” aparente, o mundo sedentário os discrimine tanto.
A prática da espiritualidade no acampamento cigano requer uma total confiança na Providência. É um completo abandonar-se ao desconhecido, ao improviso, ao “venha o que vier” e, apesar de todas as agruras, ir adiante, seguir a estrada da vida. Com eles, também temos sede de liberdade; com eles, ansiamos por um mundo melhor.
Num sentido figurado, resiliente é a pessoa que tem a capacidade de vergar sem quebrar, que tem resistência ao choque. As perseguições sofridas desde os primórdios, criaram nos ciganos uma capacidade de adaptação, uma elasticidade dificilmente encontrada em outras culturas. O preconceito foi armazenado e assimilado, tornando-se força para a resistência. A espiritualidade na tenda cigana é, antes de tudo, o que chamo de Espiritualidade da Resiliência. É nesta fonte que tenho matado a sede!
Há um dito cigano que fala assim: “A Terra é minha pátria, o céu é meu teto e a liberdade é minha religião”. Os sedentários, que correm contra o relógio, que lutam diariamente contra toda sorte de medos e fobias, que pagam uma infinidade de impostos, que fazem – para sobreviver – malabarismos mais espetaculares do que o povo do circo, não entendem, não aceitam, não podem conformar-se com o fato de que os nômades ignorem toda essa seqüência e que, mesmo assim, consigam viver com alegria e liberdade. Com mais saúde também, eu diria.
Ah, como é maravilhoso o abandono proporcionado pela Espiritualidade das Tendas! Como é salutar a mística que permeia a vida dos acampamentos! “Se você dirigir seu coração a Deus, e para Ele estender as mãos; se não hospedar a injustiça em sua tenda, então você poderá levantar o rosto sem mancha, e não terá medo nas dificuldades”. (Jó 11,13-15)
Vocacionados à liberdade, os nômades nos desafiam a seguir caminhos. Ensinados a esquecer um passado inconveniente, provocam-nos com a melodia sempre nova da Espiritualidade das Tendas: um mundo de paz é possível.
Que o Bem-Aventurado Zeferino do Cavalo Branco – o cigano Mártir da Fé – interceda por todos nós. E que o Duvel Barô continue nos abençoando!
São Paulo, 05 de Abril de 2010.
Pe. Jorge “Rocha” Pierozan
(Hoje Dom Jorge Pierozan, Bispo auxiliar da Arquidiocese de São Paulo-SP)
Vice-Presidente da Pastoral dos Nômades do Brasil
“É um completo abandonar-se ao desconhecido, ao improviso, ao “venha o que vier” e, apesar de todas as agruras, ir adiante, seguir a estrada da vida. Com eles, também temos sede de liberdade; com eles, ansiamos por um mundo melhor.” Belas palavras , palavras de quem conhece o que diz.
Obrigada pelo amor a nossa rica cultura que tanto e prezo!!!
Amo nossa cultura !!!